O primeiro, o único e o último

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

"Na saída, me espere no corredor da A-410. Josh."

Li a mensagem sem entendê-la. Se Josh precisava me encontrar, significava que queria dizer algo. E se era assim, por que não havia me falado antes?

Afastando esse pensamento, tentei manter o foco na aula. Ao meu lado, Josh estava inquieto, olhando algumas cartas que, sinceramente, não fazia ideia sobre o que significavam. Apenas conseguia reconhecer uma especial. Aquela única que, há algumas semanas, havia esclarecido tudo entre nós. Pelo menos sobre mim e meus sentimentos.

Dois de seus amigos vasculhavam a caixinha cheia de cartas. Tentei me desligar da aula e espiar, apenas para saber o que elas queriam dizer. Em uma delas, encontrava-se o nome de sua mãe. Outra, de sua irmã. Não consegui ler o conteúdo, mas o olhar triste de Josh ao relê-las era visível. Não sei se tanto para mim quanto para os dois ao seu lado.

Percebi que enquanto Marcos e Alex - seus colegas - remexiam nas cartas, Josh guardou uma em especial - a minha. Mentalmente, agradeci-o por isso. Não queria ter que escutar piadas dos dois. E, pelo visto, Josh entendia essa vontade.

Comecei a entrar em meus devaneios, fugindo daquela aula que, sinceramente, já não sabia sobre o que se tratava. Lembrei do dia em que escrevi aquelas palavras que agora estavam em seu bolso. Coloquei meu coração nelas. Minha alma. E elas só me serviram para uma conversa constrangedora com ele. Josh havia deixado muito claro que, entre nós, existia apenas uma amizade. Só isso e nada mais.

A professora liberou a sala e percebi que Josh se demorou um pouco. Lembrando do SMS - ainda aberto em meu celular - fui na frente e cheguei até o corredor indicado. Sentei-me em um dos degraus da escada e, após dois ou três minutos, vi alguém se aproximando. Era ele.

- Sempre passei por aqui e nunca percebi como esse corredor era mais largo que os outros. - comentou.

Josh estendeu sua mão e eu a segurei. Levantei-me e fiquei diante dele, esperando o que tinha de tão importante para dizer. Seja lá o que fosse, não poderia ser tão sério. Ou poderia?

- Sue, a gente precisa conversar. 

- Eu sei que precisamos. Seu SMS foi bem objetivo... Aconteceu alguma coisa?

Josh ficou em silêncio. Enquanto ele lutava com seus sentimentos, eu tentava entender os meus. Ele sabia sobre eles. Pelo menos, eu havia deixado todos claros em minha carta. Tentei lutar contra os pensamentos que apareciam - principalmente aquela voz no fundo que gritava loucamente que, afinal, ele havia mudado de ideia. Ou entendido seu coração.

- Eu estou indo embora, Sue.

- Então, vamos. Você quer me falar no caminho? Posso ir com você até a avenida!

Tentei seguir o caminho e, antes mesmo de completar meu segundo passo, ele me impediu de continuar. Josh olhava fixamente em meus olhos enquanto falava. Essa era uma de suas características mais marcantes: ser forte em qualquer momento.

- Não é ir embora hoje. Pra sempre...

- Como assim?

Demorei para entender. Minhas lágrimas queriam sair e foi com dificuldade que consegui contê-las. Meu coração não era tão fácil de ser controlado: ele já estava a mil por hora. Se não fosse o ruído do corredor - vindo de salas mais adiante - seria fácil escutá-lo.

- Meus pais decidiram ir embora. Não está dando mais para viver por aqui, entende? A família está toda desestruturada, com seus pedaços soltos por aí. Minha mãe tem pesadelos com minha irmã todos os dias. Já a peguei chorando e se lamentando na cozinha com Nancy, uma de suas ajudantes. Meu pai percebeu isso e resolveu que era hora de reunir todo mundo e começar a vida em um lugar só. E resolveram recomeçar na cidade onde minha irmã faz faculdade... Ela está no terceiro ano, já. É mais fácil pra todos.

Josh terminou suas explicações mas, mesmo assim, ainda esperei por mais. Ansiava pela parte em que ele diria que era brincadeira. Ela não chegou. Com todas as forças que consegui reunir, minha voz saiu como um sussurro. Precisei tossir algumas vezes para conseguir pronunciar as palavras corretamente.

- Você não vai voltar? Quer dizer... Nunca mais?

- Provavelmente, não. 

O choque de realidade me pegou desprevenida. Senti como se estivesse em um lugar quente e, de repente, numa sala fria. A mudança de temperatura - de sentimentos - foi o bastante para mim.

Isso não poderia estar acontecendo. Era um pesadelo e eu devia acordar logo. Mãe, me chama. Diga que estou atrasada. Qualquer coisa... Apenas me acorde.

Fiquei alguns minutos pensando no que acabara de escutar. Josh esperou, pacientemente, por alguma reação. Ela tardou e ele resolveu quebrar o silêncio, tentar suavizá-lo.

- Ninguém sabe sobre isso, Sue. Mas achei que deveria te contar... A primeira e única a conhecer isso. Você é a única pessoa que realmente me importo aqui. Já te falei sobre tudo isso e volto a repetir: você é a amiga que nunca tive e, provavelmente, nunca terei. 

- E você vai assim? - disse, ignorando tudo o que sua voz jogava para mim. Ele iria embora... E era minha última chance de fazer esses oito meses valerem algo. Eu tinha que arriscar. Aliás, deveria arriscar. Deveria ter feito isso antes, mesmo após a carta. Era o certo... Agir. Tomar a iniciativa. Não somente com as palavras que sofri para escrever, mas com atitudes.

- Assim? - seu rosto era um mix de confusão e tentativa de permanecer no foco da conversa. - Assim como, Sue?

- Sem dar uma chance para nós.

O silêncio foi confortante. Enquanto pensava no que acabara de dizer, Josh se aproximou de mim. O que era para ser um abraço, acabou se tornando outra coisa. Seus braços envolveram minha cintura e deixei que ele aproximasse meu corpo do seu. 

- Pensei que não tivesse restado nada de mim em você. - desabafou. - Pensei que teria que ir embora sem sentir algumas sensações que iriam tomar meus pensamentos por algum tempo.

- Que sensações?

E, apertando-me mais contra seu corpo, Josh me beijou. Aquele foi o nosso primeiro beijo. O mais doce e o mais amargo. O primeiro, o único e o último.

Conto inspirado em um sonho.

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